Cmt G da PM: valorização da tropa, manutenção da forma de ingresso e sim à lavratura do TCO pela PM

O coronel Marcelo Vieira Salles já estava de malas prontas para passar o comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo, rotina em mudanças de governo, quando foi convidado para continuar. Um convite desses, feito pelo próprio Secretário da Segurança Pública, não se recusa. E assim ele continuará, pelos próximos quatro anos, instalado no Quartel do Comando Geral, na Capital, dirigindo a maior força policial do País. Nesta entrevista à Sentido! ele fala de seu trabalho e de suas prioridades, e sobretudo não foge de temas espinhosos. A entrevista foi realizada na manhã de ontem (29), em sua sala no QCG.

 

Na mudança de governo, o sr. foi mantido no cargo, o que é um fato raro. Como recebeu a notícia? Como viu essa atitude do governador?

Fiquei muito feliz, vi com muita alegria mas com uma responsabilidade redobrada. Foi um reconhecimento ao trabalho da Polícia Militar como um todo. É o resultado de um trabalho que vem sendo feito de maneira muito séria, desde todos os comandantes que me antecederam, até os dias de hoje. Resultado do trabalho de gerações. Os indicadores criminais são os melhores da história. Em 1997, o número de homicídios era 33,7 por 100 mil habitantes; hoje, no Estado, chegamos a 6,7.

 

Qual será o foco do seu comando neste governo?

Para que dê o melhor de si, todo profissional precisa ser tecnicamente preparado, instruído e tem que ter uma peculiaridade chamada compromisso, o qual advém de vocação e da determinação de cada um. Quando o policial militar vê no seu trabalho o resultado prático, redução dos indicadores criminais, por exemplo, quando é reconhecido pelo Comando pelo que faz, seja por meio de uma palavra de agradecimento ou por uma condecoração, ou reconhecido pelo governo por meio de aumento de vencimento ou percepção do bônus por resultado, tudo fica melhor. Meu olhar, o olhar do Comando, é principalmente voltado àqueles que precisam de um olhar mais detido, ou seja, a tropa. Esta é a nossa linha de Comando.

 

O sr. está falando especificamente de quem?

A Polícia Militar presta serviços, e quem faz isso de maneira muito perceptível à população é o policial militar da radiopatrulha, do policiamento de trânsito, do policiamento ambiental, do policiamento rodoviário, do policiamento de choque, dos bombeiros. Afirmo que, de maneira emblemática, os principais atores, o maior símbolo da Polícia Militar, são os dois valorosos policiais da radiopatrulha, pois são o cartão de visitas da Instituição. A tropa é o nosso maior patrimônio!

 

O sr. tem dado atenção especial aos sargentos. Por quê?

Venho do Regimento de Cavalaria, uma das unidades mais tradicionais da Polícia Militar, e não só pela história rica, mas pela estrutura do Regimento que ele conseguiu manter pelos 187 anos da PM. E nesta estrutura existe um ator muito importante que é o sargento, o subtenente, os dois que em algum momento da história da PM se tornaram fundamentais no processo. Eu quis dar um destaque a eles do mesmo jeito que damos na nossa Cavalaria. Sargento com espaço, com comando, aquele que sabe liderar, o que traz a melhor informação. E tomamos algumas medias: estamos fazendo a revisão das Normas de Supervisão Operacional, onde damos um espaço maior aos sargentos; havia um clamor muito grande deles por um auxiliar, fizemos isso, fizemos com os tenentes também. Para os sargentos colocamos os fuzis para que possam apoiar as ocorrências de maior gravidade.

 

Mas houve mudanças no treinamento também?

A PM possui 105 batalhões territoriais e 429 companhias; em cada companhia criamos a Sala do Sargento, um espaço onde ele tem um computador, acesso às ferramentas de inteligência, Infrocrim, Copom on line para que possa ter a última notícia, sob o aspecto operacional, ao começar o turno. É um espaço para ele receber o cabo e o soldado para conversar sobre temas específicos. Criamos na Escola Superior de Sargentos o Estágio de Liderança Operacional para relembrar conceitos e trazer conceitos novos sobre como fazer um bom cerco, um bom bloqueio, como utilizar as várias armas disponíveis, como conduzir uma boa revista, uma boa reunião de Conseg, como conduzir um socorro a um policial. Enfim, são inovações para que o sargento seja realmente um irradiador da doutrina policial. O sargento, em qualquer força do mundo, é o elo da tropa com o soldado e o oficial com uma característica fundamental, a da liderança pelo conhecimento.

 

Até o governo passado, o Comandante Geral tratava diretamente com o Secretário da Segurança Pública. Agora, há o Secretário Executivo para a Polícia Militar no meio do caminho. É com ele que o sr. trata?

Eu já sabia da nova estrutura quando o General Campos me convidou. Ele disse que a minha ligação seria com ele, que eu me reportaria a ele, como era feito com os secretários anteriores. Independentemente disso, todo o meu reconhecimento e todo valor à experiência de homens como o Cel Camilo, Oficial que muito bem comandou a Polícia Militar. Falo com ele três, quatro vezes ao dia, peço opinião, ele possui uma experiência enorme, tenho um respeito muito grande por ele. Reporto-me diretamente ao General, mas isso não impede que me relacione com o Comandante Camilo e ouça suas valorosas opiniões, sempre com o objetivo de melhorar a nossa Polícia Militar e a prestação de serviço público.

 

Muita gente considera que a PM perdeu status na nova estrutura da Secretaria da Segurança Pública. O que o sr. pensa a respeito disso?

Um ledo engano; e quem afirma isso não conhece a estrutura, não conhece o general e não me conhece. Eu jamais submeteria, como soldado de polícia que sou, minha instituição a um downgrade. A Polícia Militar é uma instituição com serviços prestados, uma verdadeira malha protetora, e não passou na cabeça do governador, nem do general e nem do secretário executivo este tipo de coisa. Pelo contrário, estou tendo todo o apoio do General Campos e dos dois secretários executivos Cel Camilo e Youssef (Youssef Abou Chahin, delegado-geral no período 2015-2018) . É um trabalho feito a várias mãos e com muito respeito. Respeito é princípio em qualquer relação.

 

As demandas da Polícia Militar não passam pelo Secretário Executivo?

Depende. O secretário executivo é da Secretaria, o gerente dos grandes projetos. Estamos trabalhando na questão dos BAEPs, da Previdência, de projetos de tecnologia, dos grandes projetos que possam melhorar o trabalho da Polícia Militar e a vida dos policiais militares.

 

Isso tudo com o secretário executivo?

Com o Secretário de Segurança Pública, General Campos, e com o Secretário Executivo, Cel Camilo.

 

E com o governador?

Nesses 29 dias de comando tive oito reuniões com o governador e em todas eu percebi nele muito entusiasmo pela segurança pública e muito respeito. Todas as demandas que levei ele ouviu de maneira muito detida, muito respeitosa. Várias sugestões que apresentei foram acatadas.

 

Anteontem houve uma reunião para tratar da Lei 16.932, do Delegado Olim (que autoriza o Poder Executivo a celebrar convênios com os municípios com o intuito de estabelecer parceria entre as polícias Civil e Militar e as guardas municipais). O sr. não estava lá. Por quê? Osr. não foi convidado?

Só foi um anúncio, a lei já havia sido assinada pelo governador em exercício, Rodrigo Garcia. Não fui porque minha agenda não permitiu, pois havia audiências e sessões já agendadas. Amanhã, terei mais uma reunião como governador, a nona.

 

Estou comentando isso porque parece ser inevitável o fato de a guarda municipal acabar tendo poder de Polícia. E a PM não vai participar deste processo?

Eu vejo essa lei com bons olhos, não há nenhum tipo de trabalho hoje que não seja inter-agências. É uma tendência mundial, não há espaço para singularidade mais. Vamos ver onde a gente consegue auxiliar as guardas civis, de maneira colaborativa, vamos ver. Quando você integra, quando conversa, ouve mais, você erra menos. Acredito no trabalho feito a várias mãos, de maneira colaborativa, sempre visando ao interesse público, ao bem comum. Quando colocamos o interesse público acima de qualquer aspecto corporativo, o resultado é sempre muito positivo. Tive muitas experiências assim quando estava na Casa Militar, na Defesa Civil, e sempre com resultados muito interessantes. Cada um na sua competência constitucional tendo como único objetivo a supremacia do interesse público.

 

Quando prefeito, o governador João Dória tentou instituir a Polícia Municipal. Ele vai por esse caminho agora. O sr. concorda com isso? É um caminho sem volta?

Nosso grande parâmetro é a Constituição; o que ela disser, vamos fazer. A Polícia Militar é legalista. Vamos seguir o que a lei disser. Não sou contra avanços, mas não vejo isso acontecendo num curto espaço de tempo.

 

Em metade dos Estados brasileiros o Comandante Geral da Polícia Militar tem status de Secretário. O que o sr. pensa a respeito? Não encurtaria distâncias? Não poderia acelerar a tomada de decisão junto ao governador?

Respeito todas as iniciativas, mas não acredito que isso altere muito o rumo das coisas, principalmente porque nosso trabalho aqui vem sendo feito diretamente com o secretario e com o governador. Já trabalhei com o governo, na Casa Militar, inclusive como Secretário interino, e garanto que não é a liturgia de cargo ou os escalões que resolvem as coisas. O que resolve é trabalho. O governo foi eleito com uma plataforma de segurança pública apoiado por mais de 11 milhões de votos. Vamos seguir assim. Nos outros estados a proposta foi diferente e respeito muito tais decisões. O eleito conduz o projeto definido pelas urnas. Democracia.

 

Polícias modernas do Brasil, como a de Santa Catarina, exigem o título de Bacharel em Direito para entrada na Academia. O que o sr. pensa a respeito desta norma de ingresso?

Respeito, e muito, as decisões das instituições, porém sou absolutamente contra exigir o bacharelado em Direito para entrada na Academia do Barro Branco. Entendo que, ao fazer isso, estaremos impedindo o acesso de muita gente ao oficialato. O Estado de São Paulo forma por ano 450 mil jovens no ensino médio. Como abrir mão de um universo tão rico como esse? Por exemplo, hoje, na APMBB, 60% dos cadetes vieram da tropa, eram soldados, cabos, sargentos. Como eu poderia falar para um soldado, que ganha pouco mais de 3 mil reais, que ele terá que fazer uma faculdade de Direito, pagar cerca de 1,5 mil reais de mensalidade pelo curso, durante cinco anos, para somente após inscrever-se para o acesso à Academia de Polícia Militar? Talvez seja por isso, pela possibilidade de amplo acesso ao oficialato pelas praças, que em São Paulo não se ouve falar em carreira única.

 

No caso das praças, são poucos os Estados que exigem nível superior para ingresso. A maioria exige nível médio, São Paulo inclusive. O que o sr. pensa desta norma? É suficiente?

Não entendo que tal medida vá melhorar as coisas, que o padrão do nosso soldado será melhor. Temos capacidade para ensinar, e ensinar bem. Hoje, o Estado de São Paulo apresenta ao Brasil os melhores indicadores criminais, mesmo sendo o mais populoso da Nação. Esse é o trabalho do soldado formado nos padrões da nossa Polícia Militar. Ressalto que o curso de formação de Soldados da Polícia Militar é reconhecido como curso superior, nos termos da Lei Complementar Nº 1.036, de 11 de janeiro de 2008.

 

O que o sr. pensa da alteração do Código Penal Militar, que trouxe para a Polícia Judiciária militar a apuração do crime doloso contra a vida de civil?

Concordo com o previsto na Lei 13.491/18, porém este é um assunto que não está pacificado. Aguardamos, inclusive, decisão do Supremo Tribunal Federal. Acho que a Lei é boa, devemos apurar os crimes cometidos por policiais militares.

 

Há oficiais que assumem a apuração do doloso contra a vida de civil em IPM. Há oficiais que entregam o caso para a PC. Não há uma orientação do Comando neste sentido?

A orientação é para seguir a lei e continuar fazendo o que é feito hoje: instauração de IPM por parte da PMESP e inquérito na Polícia Civil. Não posso orientar em sentido contrário. Lembro que há lide pendente no STF. Que se cumpra a lei.

 

As polícias modernas do Brasil – Santa Catarina, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rondônia e, agora, o Piauí, já trabalham com o TCO nos crimes de menor potencial ofensivo. O sr. tem planos para encaminhar a de São Paulo neste sentido?

Sou favorável à lavratura do TCO pela Polícia Militar. Este é o caminho que vamos trilhar. Vamos começar do simples para o complexo: Polícia Ambiental, Polícia Rodoviária e assim por diante.

 

Um tema que vai ocupar boa parte do tempo do Congresso Nacional na próxima legislatura é o Ciclo Completo de Polícia. O que o sr. pensa sobre isso?

Acho que é o caminho a ser seguido em consonância com todas as polícias do mundo. Acredito, inclusive, na eficiência maior da prestação de serviço de justiça por meio de processos sumaríssimos, onde, havendo provas robustas de autoria e materialidade, que seja instruído e julgado de forma mais célere.