Sargento Néri, deputado estadual eleito com votos de 538 municípios, quer implantar a carreira de Policial Militar

Rubens Claudio Siqueira Néri, o Sargento Néri, foi eleito deputado estadual pelo AVANTE no ano passado com 34.238 votos. Recebeu votos em 538 municípios! Perto de assumir o mandato, anda com a agenda carregada de compromissos e é frequentador assíduo das redes sociais, ferramenta que utiliza para mostrar repúdio a atitudes do governo que acabou de começar e também para falar de seus projetos e estratégias. Nesta entrevista à Sentido!, realizada numa das salas de reunião da Assembleia Legislativa na tarde de hoje (31), ele fala de vários assuntos mas principalmente de sua principal bandeira: a implementação das carreiras de Policial Militar, tanto de Oficiais como de Praças.

 

Que campanha foi essa? Como o sr. ficou tão conhecido assim?

Eu fui o primeiro praça da Ativa a se manifestar em busca de melhores salários, a ir para a porta do Palácio dos Bandeirantes. Comecei um trabalho chamado “Tropa de Idealistas”, tinha camiseta, site, tudo, militava em prol dos policiais militares, está no Youtube até hoje. Criei um movimento político dentro da PM. O major Olímpio vestiu nossa camiseta em plenário. Minha intenção não era ser político, era chamar a atenção da tropa para a política. Sempre achei que o policial militar era apolítico, o que nos custou muito caro, para os policiais militares e para a Instituição. Lutar de maneira democrática por direitos não é crime; o PM manifestar seu descontentamento por baixos salários não é crime nem transgressão. Tanto é que sempre fui ostensivo mas nunca fui punido por isso. Em 2014, recebi o convite do major Olímpio para sair candidato a deputado estadual pelo PDT, então partido dele. Tive mais de 10 mil votos. Depois, só para o nome não cair no esquecimento, trabalhei para ser vereador em São Paulo, pelo PTB, e tive 5.600 votos. Agora, fui eleito. Minha página no Facebook é seguida por mais de 600 mil pessoas, mas minha votação foi inteiramente militar. Nós temos um praça em cada cidade do estado, pelo menos! O maior apoio que tive foi dos praças.

 

Qual será o foco do seu mandato. Vai trabalhar especificamente em qual direção?

Em princípio teremos que defender os direitos que já temos, como a Previdência, por exemplo. Depois, resolvido isso, quero fazer um trabalho de construção de carreira, tanto para os praças quanto para os oficiais. Uma das coisas que precisamos é o Estatuto da Polícia Militar, onde vai constar a carreira das duas classes. Quero que seja uma carreira vantajosa a ponto de termos um concurso com nível superior. O candidato vai saber que terá uma carreira, um salário adequado. Não haverá como desvincular salário da carreira porque estão ligados. Se eu conseguir brigar bem por esses parâmetros estaremos com passos muito à frente de outras épocas.

 

No ano passado, o sr. disse que os deputados devem ter postura política e cobrar antes mesmo de assumir. O sr. cobrou? Cobrou o quê?

Venho fazendo cobranças. Cobrei o governador sobre a calibre 12 e o fuzil. Quem entende de armamento, e eu sou policial há 26 anos, sabe que ele fez besteira, não sei quem o auxiliou, mas fez besteira. É um armamento que não dá um confronto a mais de cinco metros porque tem um problema muito sério, que é seu percussor flutuante; se o policial levar um tombo ela pode disparar. E estou apurando uma informação de que já houve acidente com essa arma. Cobrei o secretário da Segurança sobre o decreto do Policial 10. Temos que partir do princípio de que todos os policiais militares são 10. O que precisamos não é diploma e café da manhã, mas de reconhecimento salarial, profissional e carreira, não um diploma. A medalha é importante? Sim, mas não neste momento. Também me coloquei contra a declaração do secretário da Fazenda, Henrique Meirelles, que falou equivocadamente sobre privatização das penitenciárias e a Previdência do militar. Coloquei-me contra e expliquei por que. Não dá pra discutir e negociar nossa Previdência. O policial militar é um escravo que vive sob uma chibata chamada Regulamento.

 

O sr. criticou o coronel Telhada e o coronel Camilo por terem dado apoio ao candidato João Dória?

Entre 2015 e 2017 o coronel Telhada repudiou o PSDB, saiu de lá por conta de políticas ruins contra nossa Corporação. Aí, de repente, ele vai e apóia o Dória, que é do PSDB! Há um conflito aí. Eu não esperava o apoio deles para o Dória quando toda a Corporação estava apoiando o França.

 

Como o sr. pretende se comportar em relação ao governo, na Assembleia? Será um opositor radical?

Sou contra a oposição por oposição. Sou contra o extremo, tanto de direita quanto de esquerda. A política é uma ciência de conciliação. Naquilo que o governo fizer bem, vou apoiar e votar a favor. O que fizer de ruim não pode contar comigo. Não entrei aqui para prejudicar o cidadão e minha corporação.

 

Como o sr. pretende cobrar reajuste salarial ou salário digno para os policiais, da Assembleia?

Tenho um projeto de Indicação, porque a competência neste assunto não é do Legislativo, pronto para mandar para o governo. Para falar de salário, antes precisamos falar de carreira. Como vamos pagar um salário nível superior numa carreira de segundo grau? Primeiro precisamos melhorar nossas carreiras, para depois fazer a cobrança do salário. No dia 18 de março vou encaminhar a Indicação para o governo. Vou tentar sensibilizar com algumas coisas do dia a dia: o governo tem que entender o dia a dia do policial. E também vamos colocar no jogo aquilo que o governo quer, que são as PPP. O governo vai precisar de apoio. Então, a gente apoia quem nos apoia.

 

O sr. já disse que a eleição do major Olímpio para o Senado é a independência da Polícia Militar. Pode explicar?

A PM sempre foi uma instituição tímida na política. Eu acreditava que o Olímpio tinha condições de fazer 3 milhões de votos; chegou a nove! Aí ele mostrou a nossa força. Quem fez ele ter 9 milhões de votos? A Polícia Militar do Estado de São Paulo. Ele teve mais voto que o governador Alckmin para presidente. E o governador Dória tem que prestar atenção nisso, se quiser ser presidente. O Estado de São Paulo influencia a votação do Brasil todo. A votação do Olímpio foi um cartão de independência política da PM. Burro do governador se não entender isso.

 

O sr. também já disse que os deputados militares precisam do apoio do Comando da PM. Que tipo de apoio o sr. quer?

O comando da Polícia Militar e os deputados policiais militares têm que montar uma estratégia, um apoiando o outro. Nós esperamos dos coronéis, dos 63 coronéis, que eles falem a mesma língua a favor da nossa tropa. Eles têm o poder de discutir politicamente; de tenente-coronel para baixo não dá. Mas os coronéis estão juntos do secretário e do governador. Então, eu espero uma postura única dos 63 coronéis naquilo que nós precisamos conquistar e preservar, sendo o primeiro item a Previdência.

 

Em campanha, o candidato Dória disse várias vezes que seu secretário da Segurança Pública seria um policial. Nomeou um general. Como o sr. viu esta mudança de rumos?

Ele começou não cumprindo o prometido. Foi um comportamento muito ruim politicamente porque hoje a Polícia Militar é forte. Veja quantos votos fizemos para deputado estadual, deputado federal e governador. Indiscutivelmente, nós colocamos o Márcio França no segundo turno. Então, será que colocar um general na Secretaria é para intimidar o Comando da PM? Por que colocar um ex-comandante da PM como secretário executivo? Nosso comandante-geral está subordinado a um ex-comandante e a um general do Exército? Acho que foi uma manobra política para enfraquecer a PM no que tange à política ou ao seu desenvolvimento.

 

O governador criou o cargo de secretário executivo para a PM, subordinado ao secretário da segurança. O que o sr. acha disso?

O bom seria não existir o cargo de secretário da Segurança Pública, como fez o governador do Rio de Janeiro. O ideal seria o comandante-geral tratar diretamente com o governador.

 

As guardas municipais ganham força a cada dia. Como o sr. vê essa ascensão das guardas? Elas se tornarão Polícia Municipal?

O que eu vejo é que não podemos mais trabalhar com a vaidade. A Guarda Municipal é uma realidade. São Paulo é uma coisa, o interior é outra. Numa cidade pequena há um só policial trabalhando em uma viatura à noite, e quem vai ajudá-lo são os dois guardas municipais que estão lá também. Então, não podemos ser radicais ao ponto de buscar a separação. A Guarda Municipal é uma realidade, a Polícia Municipal vai acontecer naturalmente, e até por uma deficiência de efetivo da Polícia Militar, pela necessidade do interior. A estrutura da guarda em Barueri, por exemplo, é absurda! Em Ibiúna, temos duas viaturas da Polícia Militar durante o dia, e cinco da guarda municipal. Quem apóia quem? Então, precisamos pensar nessa realidade. A PM não consegue cobrir o Estado todo.

 

O que o sr. pensa sobre a lavratura do TCO, pela Polícia Militar, nos crimes de menor potencial ofensivo?

Seria maravilhoso. Vou voltar ao Interior novamente. Há ocorrências em que o policial tem que rodar 45 quilômetros para chegar numa cidade com delegacia aberta; o comandante tem que mandar uma viatura para cobrir a que está apresentando ocorrência, e às vezes é uma ocorrência que a Polícia Militar faria facilmente via TCO. Temos que brigar por isso, sem dúvida. A PM tem estrutura e capacidade para isso.

 

O sr. tem planos para este assunto?

É um trabalho a ser feito entre o Judiciário, o Poder Executivo, o Poder Legislativo e as duas instituições. O que dificulta aí são os egos, que acabam atrapalhando. Mas o que nós precisamos ver é o benefício para a população. Não podemos nos deixar levar pelo ego. O TCO, hoje, em termos de Capital e Interior, vai beneficiar muito a população.

 

Polícias modernas no Brasil exigem o título de bacharel em Direito para a Academia e curso superior para Escola de Soldados. O que o sr. pensa sobre isso?

Para os oficiais, quero exigência de título de bacharel em Direito e carreira jurídica. Para os praças, nível superior e patente até Capitão. Veja só: vem um jovem formado em Biologia, por exemplo, mas com sonho de ser policial militar. Ele vai entrar para ganhar 3 mil reais? Não. Mas se ele souber que terá a possibilidade de chegar a Capitão o cenário muda. O fato de um jovem com curso superior querer vir para a Instituição é algo muito bom. Ele certamente não é de família rica, mas de classe média. Alguém que trabalha e faz faculdade é uma pessoa esforçada. E aí temos um rapaz diferenciado. Já será um bom candidato, tanto no aspecto intelectual quando na experiência de vida. Por isso, temos que dar uma perspectiva de carreira para ele. Quando a gente conseguir colocar na Corporação o requisito de nível superior vamos brigar mais facilmente por salário. E vamos melhorar o nível intelectual do nosso pessoal e melhorar muito o desenvolvimento operacional e profissional. Nossa Corporação já é rica hoje, neste sentido. Já pensou se passar a exigir nível melhor ainda?

 

O sr. pretende discutir a carreira única durante o mandato?

Em alguns países, o policial começa lá em baixo; começa uma carreira, conhece todos os detalhes e vira chefe de polícia. Conhece tudo! A Academia indiscutivelmente é uma grande formadora, mas não formadora operacional. Imagine um coronel que experimentou todas as fases, desde a graduação de soldado até full. Já trabalhou em tudo, conhece tudo! Esse comando seria, além de mais humano, mais técnico e muito mais operacional naquilo que realmente precisamos. A carreia única também valoriza muito mais pela meritocracia. Fazer um concurso, fazer a Academia, não quer dizer que será um bom comandante; uma patente não é sinônimo de bom comandante. Acredito na meritocracia. A carreia única tem que se desenvolver não só através de concurso, mas também naquilo que o PM já fez. Aí a gente terá uma Corporação com bons comandos.

 

O sr. vai trabalhar nesse sentido?

Só por Indicação. Vai haver muita resistência por parte da Polícia Militar, mas vamos fazer por Indicação. Este é um sonho.

 

Um tema que vai frequentar a próxima legislatura do Congresso Nacional será o Ciclo Completo de Polícia. O que o sr. pensa sobre isso?

Dois anos atrás, eu ministrava aula no IAP e vinha falando da importância da Corporação se lançar no mundo da segurança pública. Hoje a PM é vista como truculenta, a que mata, uma polícia que chega muita vezes quando já aconteceu o crime. E mais, não temos força jurídica para nada, o delegado determina mais que o coronel, e há alguns aspectos em que a Polícia Militar está amarrada a outras instituições, à mercê delas. O ciclo completo vai provar a capacidade e a competência da Corporação para desenvolver trabalhos além do que faz hoje. Será muito bom para a Instituição e para os policiais militares. E falo com total tranqüilidade que se isso for implantado amanhã temos capacidade de executar.