Fachin julga inconstitucional União estabelecer alíquota de cobrança no Sistema de Proteção Social dos Militares

Em julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo 1.309.755 (São Paulo) na quarta-feira passada, 26, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, pronunciou-se pela inconstitucionalidade de parte da Lei 13.954/2019, que estabeleceu o Sistema de Proteção Social dos Militares.

A decisão do ministro provocou a esperada corrida de advogados em busca de policiais militares interessados em ingressar com ação para reverter a taxação e voltar ao sistema antigo em que apenas o que excedia o teto do INSS era taxado.

Duas associações já definiram o que fazer. A APMDFESP (Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência) ajuizou ação pleiteando a volta ao sistema antigo. A ACS (Associação dos Cabos e Soldados) decidiu não ajuizar ação coletiva mas patrocinará ações individuais de seus associados.

Sentido! conversou com o Cel Marlon Jorge Teza, com o Cel Elias Miler da Silva e com o Ten Cel Roger Nardys de Vasconcelos, respectivamente presidente, diretor de assuntos legislativos e diretor de assuntos jurídicos da FENEME (Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais) sobre o significado da decisão do Ministro Fachin, suas consequências e as consequências das decisões de associações PM e de policiais militares que entraram ou vão entrar com ações judiciais para aproveitar a decisão e reverter a cobrança de 10,5% sobre o salário bruto para o Sistema de Proteção Social dos Militares.

 

A decisão do ministro Fachin joga uma pá de cal no Sistema de Proteção Social dos Militares?
Não. O Sistema segue vigente e com eficácia plena, ancorado no texto expresso do inc. XXII do art. 21 da Constituição Federal, na redação da EC 103/19, e regulado em âmbito nacional pela Lei Federal n. 13.954/19. O único instituto abrangido pela decisão é acerca da competência dos estados e DF para dispor sobre a alíquota.

 

A decisão do ministro Fachin é a volta ao antigo sistema?
Não. Ela em nada inova naquilo que o STF já havia decidido no âmbito da ACO 3350 e 3396, ambas com efeitos “inter partes” (atinge somente os autores da ação) e adstritas ao tema “competência para o estabelecimento de alíquota”. Logo, é equivocado reduzir o todo a uma de suas partes.

 

A partir da decisão do ministro Fachin tudo voltará ao que era antes?
A EC 103/19 estabeleceu uma série de alterações constitucionais segregando ainda mais o regime jurídico dos militares (art. 42 e 142) do regime aplicável aos servidores públicos (art. 40) não militares. Todas essas mudanças seguem válidas. A regulamentação decorrente da Lei 13.954/19 sobre inatividades e pensões militares também seguem válidas. A única mudança decorrente do entendimento do STF é o de que cabe aos Estados estabelecer uma alíquota, somente isso.

 

Na aprovação da Lei 13.954/19, os parlamentares (incluindo aí as federações e associações) não viram que a questão da alíquota era inconstitucional?
Sim. E tanto vimos isso que colocamos no texto da PEC. Porém, alguns governadores como o Eduardo Leite (PSDB/RS) pediram para o relator retirar a contribuição e deixar para o Estado. Ainda assim, pela mudança feita no art. 22, XXI, em que colocamos regras gerais de inatividade e pensão, a União pode legislar sobre tudo, inclusive alíquota. Na tramitação da lei provamos isso com decisão do STF que afirmou que alíquota fixada pela União para os servidores dos estados e municípios não é inconstitucional.

 

Mas é, pelo que se vê agora…
Trata-se de decisão política do STF. O ministro Luís Roberto Barroso recebeu ação do governador Eduardo Leite e montaram esta tese que foi reproduzida pelo ministro Alexandre de Moraes e, agora, pelo Edson Fachin.

 

O Estado de São Paulo deverá voltar a cobrar Previdência como fazia antes, inclusive taxando os veteranos e pensionistas somente sobre o que excede o teto do INSS?
O art. 24-C do Decreto-Lei 667/69, que estabelece a simetria das alíquotas dos militares estaduais com a dos federais, na faixa de 10,5% sobre a integralidade da remuneração do ativo, do inativo e dos proventos de pensão militar, foi afastado por invasão de competência da União no âmbito dos estados, e somente a quem interpôs ação judicial. Esse afastamento é somente nos casos concretos postos à decisão do STF. O Estado de São Paulo pode seguir aplicando a norma federal, contudo isso acarretará a sucumbência judicial nas ações propostas por inativos e pensionistas invocando a norma estadual com a faixa de imunidade.

 

A aplicação desta medida, se for o caso, será imediata ou a partir de quando o Estado de São Paulo desejar?
O Estado pode adotar diversas medidas:
(1) pode seguir cobrando com base na Lei Federal e correr o risco de repetição de indébito;
(2) pode encaminhar e aprovar (necessariamente) PL – Projeto de Lei específico para os militares,  alterando a atual lei estadual e emoldurando aos moldes da lei federal; ou
(3) mudar administrativamente seu entendimento e passar a aplicar a lei estadual em detrimento da Lei Federal, mantendo a alíquota de 10,5%.

 

Ou aplicar uma tabela progressiva como foi feita no Rio Grande do Sul…
Se o Estado desejar aplicar alíquota diferenciada, não será imediato. Primeiro deverá acionar o STF através de uma ACO – Ação Cível Ordinária e obter decisão favorável, conforme fez o Rio Grande do Sul. Depois disso, deverá aprovar na Assembleia Legislativa uma lei “específica” aos militares com a alíquota desejada. Portanto, não é automático. Deverá obedecer o rito.

 

O interessado em reverter o modelo de taxação deverá entrar com ação individual? As associações poderão entrar com ações coletivas?
Os inativos e pensionistas que estiverem ajuizando ações para a obtenção da faixa de isenção, mesmo com alíquota estadual maior que a adotada em âmbito nacional (10,5%), estarão arrastando os ativos a uma alíquota maior. E, o pior, estarão invocando a aplicação de instituto típico do RPPS (faixa de isenção), constante no §18 do art. 40, que é inaplicável aos militares, tanto que não há faixa de isenção nas Forças Armadas. É um grande equívoco que poderá trazer prejuízos irreparáveis num futuro próximo.

 

Se vamos voltar à cobrança antiga, como ficam os valores “pagos a mais” nesse período?
Terão que ser devolvidos numa ação própria (coletiva ou individual) ou na mesma, se constar esse pedido. Quem teve redução de alíquota com a nova lei, se não entrou na Justiça fica como está. Se ingressou, deu um tiro no pé e terá que devolver.

 

Há alguma “janela” que pode ser aproveitada para reverter a decisão do ministro Fachin?
A questão da alíquota, no estado em que se encontra, parece irreversível no âmbito do STF. A saída é a introjeção do modelo adotado pelo constituinte – simetria – no âmbito da competência estadual, ou seja, basta aprovar lei contemplando a alíquota de 10,5% sem faixa de isenção. Por isso a importância da atuação política no sentido de preservar alíquota simétrica às Forças Armadas. Atualmente, no Brasil todo, somente o Rio Grande do Sul possui, por lei, alíquota diferente das Forças Armadas em decorrência da ACO que o Estado impetrou junto ao STF no passado.

 

No Rio Grande do Sul, já está sendo aplicada a tabela progressiva para desconto de previdência. Como está, lá, a questão da paridade, integralidade e gratificações como quinquênio e sexta-parte?
A única coisa que mudou foi a alíquota, na esteira da competência afirmada pelo STF aos Estados. Nenhuma alteração quanto à paridade, integralidade e todos os demais institutos da Proteção Social dos Militares. No tocante à remuneração, adotou-se o modelo do subsídio.

A autorização do STF para o estado estabelecer sua alíquota aos militares não autoriza a interpretação extensiva do §1° do art. 149 da CF, que permitiu as alíquotas progressivas restritas ao RPPS. Na verdade, a decisão do STF na ACO é para que a União se abstenha de aplicar qualquer sanção ao Estado do Rio Grande do Sul se, por lei específica,  aplicar alíquota diferenciada aos militares (somente alíquota e nada mais). Há ADI no TJRS para afastar os militares do RPPS e de seus institutos.

 

Qual é a posição da FENEME a respeito desta decisão? A entidade vai tomar alguma atitude?

A forma jurídica de manter a validade da alíquota é aprovando em leis estaduais idêntico dispositivo, estabelecendo em cada unidade federativa a alíquota em 10,5% nos mesmos patamares das Forças Armadas, com revisão na forma do art. §2° do art. 24-C do DL 667/69, ou seja, a partir de 1° de janeiro de 2025, dentro dos parâmetros adotados em lei federal.

Se o ambiente político for favorável, convém trabalhar o encaminhamento e aprovação de leis específicas para o Sistema de Proteção Social, reproduzindo as normas gerais e detalhando as especificidades de cada ente federado, dentro dos estritos parâmetros constitucionais e legais.

A FENEME já produziu e distribuiu um modelo de legislação para tal fim. A FENEME segue incansável para a afirmação do modelo jurídico adotado, que foi fruto de muitos anos de trabalho e comprometimento e hoje é único com paridade e integralidade, de modo que, atentar contra o modelo jurídico como um todo é atentar contra aqueles que deram a vida para a obtenção do nosso maior patrimônio, que é a proteção da família militar!

A autorização do STF para o estado estabelecer sua alíquota aos militares não autoriza a interpretação extensiva do §1° do art. 149 da CF, que permitiu as alíquotas progressivas restritas ao RPPS. Na verdade, a decisão do STF  na ACO é para que a União se abstenha de aplicar qualquer sanção ao Estado do Rio Grande do Sul se, por lei específica,  aplicar alíquota diferenciada aos militares (somente alíquota e nada mais). Há ADI no TJRS para afastar os militares do RPPS e de seus institutos.


Foto Ministro Edson Fachin: Rosinei Coutinho/STF