Grupo rasga o Estatuto, cancela Assembleia legítima, cassa mandato de presidente eleito e toma conta da FERMESP.

Nas 19 páginas e nos 40 artigos que compõem o Estatuto da FERMESP – Federação das Entidades Representativas de Militares do Estado de São Paulo, a palavra “chapa” aparece apenas uma única vez. No entanto, ela foi a chave utilizada para cassar o mandato do Presidente da Diretoria Executiva eleito em Assembleia Geral realizada no dia 31 de janeiro deste ano, Cel PM Luiz Gustavo Toaldo Pistori (presidente da DEFENDA PM). Tudo por meio de enorme drible no Estatuto perpetrado pelo presidente anterior, Cel PM Roberto Allegretti (presidente da AFAM), e um grupo de associações que ele reuniu para “fazer valer o Estatuto”.

Além da AFAM (Associação Fundo de Auxílio Mútuo dos Militares do Estado de São Paulo), compõem o grupo a Associação dos Oficiais da Polícia Militar (AOPM), a Associação de Defesa dos Policiais Militares do Estado de São Paulo (ADEPOM), a Associação dos Policiais Militares Portadores de Deficiência do Estado de São Paulo (APMDFESP) e a Associação dos Oficias, Praças e Pensionistas da Polícia Militar do Estado de São Paulo (AOPP). O grupo soma a maioria dos nove filiados da FERMESP com direito a voto: os demais são a Associação dos Oficiais de Saúde (AOS), a Associação dos Cabos e Soldados (ACS), a Associação dos Oficiais Militares do Estado de São Paulo (AOMESP) e DEFENDA PM.

 

A irregularidade conhecida só detectada dias depois da Assembleia

 

O começo do drible se deu na semana seguinte à Assembleia Geral Ordinária, quando Allegretti apontou falha na eleição do vice-presidente, 2º Ten PM Írio Trindade de Jesus, presidente da Associação dos Subtenentes e Sargentos. Allegretti provou que a ASSPM não fazia mais parte do quadro de filiadas da FERMESP desde o ano passado, quando Írio enviou carta ao então presidente, Cel PM Antonio Chiari, comunicando a desfiliação temporária. A solução para o caso, proposta por Allegretti logo de cara ao presidente eleito, era a anulação da Assembleia Geral Ordinária e da eleição.

Quanto à eleição do vice-presidente, Allegretti tem razão. No entanto, cabe perguntar por que ele não apontou a falha já na Assembleia Geral de 31 de janeiro, por ele conduzida. Em resposta a Pistori, disse que ninguém sabia do fato. Mas ele sabia, ou deveria saber, notadamente por imposição do artigo 24 do Estatuto da Federação, que trata das atribuições do Departamento Financeiro. Quando viu sua eleição ameaçada, Pistori pediu ao Maj PM Irineu Fernandes Garcia, diretor-financeiro, a relação de entidades filiadas e sua situação junto à FERMESP. Recebeu uma planilha que mostra a ASSPM como desligada desde fevereiro do ano passado. Não havia como Allegretti não saber deste fato.

Ainda que o presidente da ASSPM não pudesse ser eleito, o que constituía a falha alegada por Allegretti, há previsão estatutária para solucionar o problema. O artigo 11 do Estatuto diz que a Assembleia Geral é o órgão máximo da FERMESP, e ela detém soberania para decidir todos os assuntos, inclusive “destituir membro eleito da Diretoria Executiva”. Em cinco minutos a falha poderia ser solucionada com a convocação de uma assembleia extraordinária para destituir o vice eleito e eleger um novo vice. Simples, prático e legal.

Nada disso. Allegretti bateu pé na anulação da eleição e conseguiu. Reuniu o grupo de cinco entidades e convocou assembleia geral extraordinária virtual para cancelar a assembleia do dia 31 e eleger a nova Diretoria Executiva e Conselho Fiscal. Nesta assembleia, realizada no dia 10 de fevereiro, Pistori e os demais eleitos tiveram o mandato cassado por anulação da assembleia geral. Nesse dia foi convocada nova assembleia extraordinária, para o dia 21 de fevereiro, unicamente para eleger a nova Diretoria Executiva e o Conselho Fiscal.

 

Eleições da FERMESP nunca obedeceram Estatuto

 

Desde que a FERMESP existe, e antes dela a CERPM (Coordenadoria de Entidades Representativas dos Policiais Militares), as eleições para Diretoria Executiva e Conselho Fiscal nunca observaram rigor algum. Os presidentes sentavam em torno de uma mesa com um problema a resolver: quem estava disposto a assumir o encargo? Encontrado o presidente, procurava-se o vice. Encontrado o vice, procuravam-se os membros do Conselho Fiscal. Assim foram escolhidos nomes como Cel PM Luiz Carlos dos Santos (AOPM), Cb PM Wilson de Morais (ACS), Sgt PM Ângelo Criscuolo (ASSPM), Cel PM Antonio Chiari (AOPM) e o próprio Allegretti, da AFAM.

Na Assembleia Geral de 31 de janeiro, o rito foi o mesmo. O então presidente Allegretti perguntou se havia alguém disposto a assumir a presidência; Pistori apresentou-se e foi aclamado. Allegretti perguntou se havia alguém para a vice-presidência, Írio apresentou-se a foi aclamado. Allegretti passou para o Conselho Fiscal, e depois de breve discussão foram aprovados os nomes dos presidentes da ACS, da AFAM (ele mesmo, Allegretti) e da AOPP. Nenhuma novidade no rito. A notícia da eleição foi publicada pela FERMESP em sua página no Facebook (e prontamente retirada dias depois), na revista da AOMESP, nos sites e páginas de Facebook da ACS, da DEFENDA PM, da AOS e outras.

 

A “chapa” que não existe e que cassou um mandato legítimo

 

Na segunda assembleia extraordinária, realizada hoje, Pistori sofreu outra cassação. A “chapa” – uma obrigatoriedade imposta pelo grupo que está dirigindo as assembleias (presidido pelo presidente da ADEPOM, Cel PM Luiz Carlos Nogueira) – apresentada por Pistori não relacionava nomes para o Conselho Fiscal, dada a insuficiência de número de entidades habilitadas a votar e ser votadas. Não sobravam nomes para Pistori apresentar (AOMESP e Cabos e Soldados não aceitaram participar), já que a maioria compunha o grupo liderado por Allegretti – que apresentou uma chapa com início, meio e fim, ele como presidente da Diretoria Executiva.

Porém, o artigo 8 do Estatuto da FERMESP, que trata dos direitos das entidades filiadas, diz no item VIII que as filiadas podem “votar e ser votadas para os cargos de Presidente e Vice-Presidente da Diretoria Executiva e membros do Conselho Fiscal, indicando, se desejar, integrantes para compor chapa, desde que sejam Militares do Estado ou pensionistas de Militares do Estado”. A expressão “se desejar”, que ainda consta da língua Portuguesa, indica que é opcional ao postulante qualquer ato, desde que ele acate decisões soberanas, de uma Assembleia por exemplo, que indique outros nomes.

Pistori até tentou mostrar o Estatuto, propondo eleição para a Diretoria Executiva – para a qual tinha seu nome como Presidente e, para vice, do Cel PM Osvaldo Cirilo da Silva, presidente da AOS – e que acataria qualquer Conselho Fiscal eleito. Inútil. A palavra “chapa” foi tão usada e exigida que a maioria dos presentes acabou ignorando o Estatuto, aceitando a ideia e votando pela exclusão de Pistori no novo pleito. Único candidato, Allegretti finalmente levou a presidência.

Não faltam argumentos. O artigo 10 do Estatuto da FERMESP diz que a federação é constituída de Assembleia Geral, Conselho Fiscal e Diretoria Executiva. São órgãos separados e independentes. O artigo 12 diz que a Assembleia Geral será convocada para eleição dos “membros” da Diretoria e do Conselho Fiscal. O artigo 15 é taxativo ao estabelecer que o Conselho Fiscal é órgão independente e que seu presidente será eleito por escolha de seus próprios integrantes em sua primeira reunião ordinária. O artigo 19, parágrafo 4º, estabelece que os secretários e diretores de departamentos serão nomeados e destituídos livremente pelo Presidente da Diretoria Executiva.

 

Uma entidade que não justifica sua existência

 

Não há argumento que convença. Fica estabelecido que o que vale é o que querem aqueles que, enquanto à frente da FERMESP, nada fizeram para cumprir as finalidades estatutárias da federação como representar as entidades filiadas; defender os interesses institucionais e políticos dos militares do Estado e de seus pensionistas; negociar, com as autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo assuntos afetos a remuneração, benefícios e reajustes salariais; e coordenar as ações das entidades filiadas em movimentos e campanhas salariais, dentre outras.

Não se viu a presença da marca “FERMESP” nas manifestações de setembro de 2019, quando milhares de policiais militares da Reserva e pensionistas reuniram-se na Praça da Sé contra a ameaça da quebra de paridade pelo governo Doria. Tampouco a FERMESP esteve nas várias manifestações públicas do final do ano passado, pelo reajuste salarial, movimento liderado pelo deputado estadual Major Mecca com apoio de várias associações e sindicatos das forças de segurança do Estado.

O arroz-com-feijão foi feito na convocação de candidatos ao governo do Estado para audiências com os policiais que mais pareceram entrevistas “chapa-branca”. Numa delas, na AOPM, João Doria prometeu que o secretário da Segurança Pública seria “um policial”. Eleito, Doria rebaixou a Polícia Militar para o quinto escalão de decisões (governador, vice-governador, general secretário da Segurança Pública, secretário-adjunto para a Polícia Militar na SSP e depois, só depois, o Comandante-Geral. Aguarda-se a manifestação da FERMESP em relação a este rebaixamento.

No quesito candidatos, foi vergonhosa a realização de uma reunião com o candidato a prefeito de São Paulo, Bruno Covas. O então presidente Cel Chiari desfez-se em elogios ao candidato, disse (apontando os presidentes das associações filiadas) que ali estavam seus apoiadores, e entregou a ele um ofício elogioso. Não bastassem o discurso e o ofício que todos ficaram conhecendo só no momento da leitura, a FERMESP abriu espaço para pronunciamento do Cel PM Marcelo Vieira Salles, que já havia deixado o Comando-Geral para candidatar-se a vereador ou, na pior das hipóteses, a um emprego na prefeitura. Deu resultado, ele é o mandachuva da Sé, hoje.

A pergunta que fica, ao fim e ao cabo, é: por que alguém, que nada fez pela Polícia Militar e pelos policiais militares quando estava à frente da FERMESP, quer continuar no comando da entidade?