As bravatas de todo início de governo

Assim que assumiu o governo do Estado, Rodrigo Garcia adotou um discurso com dupla direção. Parte do palavreado foi para os policiais, parte para a população civil. A parte dos policiais é a mesma de outros irresponsáveis, agora em versão repaginada. “Bandido que levantar arma pra Polícia vai levar bala”, disse Garcia. Na versão Doria, a polícia ia “atirar para matar”, e na do carioca Wilson Witzel, “mirar na cabecinha”. Na parte que vai para a população civil, a intenção é que a frase tome roupagens de autoridade, de braveza, um sinal de que a bandidagem está perdida, quem manda é a polícia, aqui tem governo.

Nada mais falso. Policial militar que acreditar que pode agir fora do protocolo, a partir das bravatas do governador, terá como destino o banco dos réus e o Presídio Militar Romão Gomes. Aqui fora ficarão a família desamparada, filhos órfãos de pais vivos, contas de advogado a pagar às custas do que ele conseguiu construir ao longo dos anos. Ninguém – do governador aos que reverberam seu discurso – vai aparecer para ajudar o PM a se defender. Do outro lado, os contribuintes que acreditarem nisso acabarão por culpar a Polícia Militar pela ocorrência de crimes; afinal, ela tem autorização para agir com rigor e sem piedade.

Garcia cunhou a frase no lançamento da “Operação Sufoco”. A solução genial do governador (que vai tentar se eleger em outubro) é aumentar a quantidade de policiais nas ruas. Em princípio, 4.740 deles estarão no patrulhamento na cidade de São Paulo. Parte do contingente será pago pela Prefeitura (1.240), na “atividade delegada”; o resto pelo governo estadual, por meio de DEJEM. Nas duas modalidades, o Estado compra o descanso do policial militar, aquele intervalo no trabalho que ele deveria dedicar à família e a sua recuperação física e psíquica. No período em que deveria estar de folga, o PM estará trabalhando para protagonizar ações midiáticas para o atual plantonista do Palácio dos Bandeirantes.

É só bravata. Qualquer um sabe – a começar do marginal – que levantar arma para a Polícia é encurtar o caminho para o cemitério. Aliás, não só para a Polícia; basta que levante a arma para o cidadão armado. Assim, a frase de Garcia serve tão somente para criar uma cena, para mostrar que assumiu o governo e está fazendo alguma coisa. Ela dá cores às ações de abordagem de motociclistas (que serão feitas massivamente, segundo o novo comandante-geral, coronel Ronaldo Miguel Vieira) para prender falsos entregadores. Jogar para a torcida, nesses casos, pode ser gol contra ao gerar sensação de insegurança pela simples presença de tantos policiais nas ruas. Mas é assim que os governos sempre fazem.

Manifesto

O anúncio do governador motivou a publicação de um manifesto de associações e sindicatos das forças de segurança. Para as entidades, trata-se de “um plano feito às pressas, de forma temporária e sem a profundidade que o tema requer e o cidadão exige”. Criticam o déficit de pessoal, chamam de “bico oficial” a solução proposta para aumentar o contingente nas ruas (Delegada e DEJEM/DEJEC) com jornadas extenuantes e desvio de função de policiais militares empregados em escolta de presos.

Assinam o manifesto a Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar (Defenda PM) e a Associação de Médicos Legistas do Estado de São Paulo (AMLESP), e os sindicatos dos Delegados de Polícia Civil do Estado de São Paulo (SINDPESP), dos Funcionários do Sistema Prisional do Estado de São Paulo (SIFUSPESP) e o dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (SINPCRESP).