Desconstruindo inverdades sobre a reforma do Sistema de Segurança Pública

Cel PMESP Elias Miler da Silva

Diretor de Assuntos Legislativos da FENEME (Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais) e presidente do Conselho Deliberativo da DEFENDA PM (Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar.

 

Segundo dados do IPEA, os custos da violência no Brasil são estimados entre 10% a 15% do PIB – R$ 407 bilhões ao ano, e o recorde de assassinatos vivido pelo Brasil é considerado pela Organização Mundial da Saúde como uma situação epidêmica, com 58.559 mil mortes ao ano, sendo o País com o maior índice de mortes violentas no mundo.

O Brasil é também recordista mundial em mortes de policiais, média de 500 ao ano. A título de exemplo: nos EUA são 90 por ano; no Reino Unido, 8 por ano.

Sabemos que nenhuma medida isolada será a solução para o problema da segurança pública, e que para seu progresso um conjunto de melhorias e reformas deve ocorrer, a exemplo de melhorias no sistema de execução penal, nas próprias leis em seu apenamento e também no modelo de atuação das polícias brasileiras.

O debate da reforma do sistema de atuação das polícias no Brasil deve ser feito de forma republicana e democrática, mas em especial nos anos de 2015 e 2016, onde a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados realizou seminários em todo o País, diversas inverdades foram difundidas por quem não tem interesse no progresso nacional e atua exclusivamente de forma corporativista.

A seguir, as principais inverdades reiteradas ao longo dos debates sobre o tema, as quais passo a rebater:

Não existe ciclo completo, cada País dita a regra de sua polícia.
Ciclo completo de polícia consiste na atuação plena da instituição policial. Isto é atuar tanto na prevenção como na repressão, como também na investigação. Esse é o modelo adotado no mundo inteiro, tanto na Europa e Estados Unidos, como também na América do Sul, com exceção de três países no mundo: Brasil, República de Cabo Verde e República Guiné-Bissau.

O Militarismo é incompatível com o Ciclo Completo de Polícia.
Basta analisar que França, Itália, Holanda, Espanha, Portugal, Argentina e outros possuem polícia militar e atuam com o ciclo completo; o Brasil não é o único País do mundo que justifica a manutenção do atual modelo das polícias.

A PM abandonaria as ruas deixando a atividade ostensiva para um segundo plano.
De forma alguma. O parâmetro internacional de efetivo investigativo é de 13% do efetivo ostensivo (de policiamento uniformizado). Com a ineficiência do atual modelo, 100% do efetivo das polícias ostensivas, maiormente das polícias militares, ficam horas em deslocamentos e procedimentos burocráticos. Com o ciclo completo, toda efetividade da ação policial ocorreria na região da infração, liberando o efetivo de policiamento para o policiamento e sempre permanecendo na região a ser guarnecida.

Seria prejudicial duas polícias de ciclo completo na mesma região.
Seria muito melhor do que hoje, pois cada polícia atuaria de forma plena, do início ao término da ocorrência, diminuindo assim a interdependência que existe hoje, onde nenhuma das duas consegue prestar um serviço completo aos cidadãos. Nos EUA, por exemplo, há mais de 18 mil agências policiais de ciclo completo, que muitas vezes atuam na mesma área territorial, e nem com dezoito mil polícias há tantos conflitos como tem no Brasil com apenas duas em cada Estado.

O Ciclo Completo representa mais trabalho para quem atua na base das polícias.
Pelo contrário. O policial tem mais trabalho quando tem que se deslocar horas para chegar a uma delegacia e ficar por tempo indeterminado esperando para ser atendido, chegando em alguns casos a passar um serviço inteiro com uma única ocorrência! Qual policial, com alguns anos de experiência de rua, nunca passou por isso? Com o ciclo completo nas infrações de menor potencial ofensivo as partes podem ser liberadas no local, e nas de maior potencial ofensivo a própria polícia que efetuar a prisão fará os demais atos; é agilidade e economia muito maiores, será menos trabalho para quem está na ponta da linha, pois cada ação será devidamente valorizada, e cada atuação que o policial fizer terá consequências legais para o infrator, e hoje infelizmente sabemos que não é assim.

Seria melhor que cada polícia se especializasse no seu trabalho, como nos sistemas de produção e gestão empregado por Henry Ford, e se aumentasse o efetivo das polícias civis.
De forma alguma, isso seria insistir no erro. Primeiramente, quanto a análise de cada polícia se especializar e a comparação com os sistemas de produção de Henry Ford: a própria critica técnica da época (http://www.telacritica.org/temposmodernos_trabalho.htm) afirma que “o trabalho era fragmento para ser simplificado, com ciclos operatórios curtos, requerendo pouco tempo para a formação e treinamento dos trabalhadores, o que permitiu que o serviço fosse feito por operários e pessoas simples da plebe, sem grande formação, como inclusive relatou o personagem clássico de Charles Chaplin.”

Na verdade, é exatamente assim que alguns desejam ver o trabalho policial militar, como uma atividade que não precisa de qualificação, que poderia ser executada por qualquer pessoa “simples da plebe”, mas na verdade é o contrário; a pessoa que incorporará a figura do Estado, com autoridade de portar uma arma e interferir nos direitos dos cidadãos, tem que ser um profissional de alta qualificação, com amplo conhecimento social e capacidade de se aproximar e estreitar relações com a sociedade, fazendo verdadeiras parcerias e atuando com autoridade.

E a crítica ainda complementa dizendo “que consistia em atividade repetitiva, parcelada e monótona, perdendo o trabalhador suas qualificações, as quais são incorporadas à máquina.” De fato, o modelo atual de quando se deparar com uma ocorrência, qualquer que seja sua gravidade, fazer uma única coisa: levar ao delegado! É sim uma forma de engessar a atividade policial e voltar aos “tempos modernos”, e como diz a crítica, consiste em perder toda a qualidade do trabalhador, que poderia atuar com muito mais eficiência, fazendo composições, liberando as partes no local ou até mesmo investigando a ocorrência que atendeu, otimizando assim em muito o serviço para a população.

Quanto a aumentar o efetivo policial civil, acredito que seria investir em um sistema de “meias polícias” que já provou não dar certo, mas trarei as palavras de um estudioso sobre o sistema de segurança pública, o Tenente-Coronel Marcello Martinez Hipólito, Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade do Vale do Itajaí e que teve a oportunidade de conhecer in loco diversas polícias em outros Países, ele escreveu um artigo comparando o sistema de segurança pública com o fim das ineficientes lâmpadas incandescentes (aqui), concluindo pela necessidade de seu urgente aperfeiçoamento em parte do artigo diz:

“Em todos os estados as polícias civis reclamam da falta de efetivo. Suponhamos então que fossem atendidos em seus reclamos e se dobrasse o efetivo, então teríamos aumentado sua eficiência na apuração de infrações penais de 5% para 10%, na média, e nos crimes contra o patrimônio de 1% para 2%.”

“Enquanto é de 12% a 13% a média mundial de pessoal de um departamento de polícia na atividade de polícia judiciária, no Brasil essa média gira em torno dos 30%.” (G.N.)

“É assim em grande parte das milhares de agências policiais dos Estados Unidos ou mesmo nos países sul-americanos ou europeus. A conclusão que se pode tirar é que tentar melhorar o atual sistema policial seria o mesmo que querer continuar investindo na melhoria da lâmpada incandescente.” (G.N.)

Diante do exposto, resta comprovado que o modelo policial adotado pelo Brasil nunca dará certo se não for revisto, e que investir neste modelo consiste em investir no erro. Propostas tendentes a alterar esta realidade tramitam simultaneamente na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Estes temas devem ser retomados, e novamente iremos ombrear com as demais entidades representativas de militares do País para buscar o aperfeiçoamento da legislação e o melhor serviço para a sociedade.